segunda-feira, 5 de maio de 2008

Quatro "erres" contra o consumismo - Leonardo Boff*

Aonde vai parar o supérfluo? E quando vamos acabar com isso?


A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Hoje, entretanto, ela assume dimensões vergonhosas e simplesmente cruéis. Revela uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a fome é um imperativo humanístico, ético, social e ambiental. Uma pré-condição mais imediata e possível de ser posta logo em prática é um novo padrão de consumo.
A sociedade dominante é notoriamente consumista. Dá centralidade ao
consumo privado, sem auto-limite, como objetivo da própria sociedade e da vida das pessoas. Consome não apenas o necessário, o que é justificável, mas o supérfluo, o que questionavel. Esse consumismo só é possível porque as políticas econômicas que produzem os bens supérfluos são continuamente alimentadas, apoiadas e justificadas.
Grande parte da produção se destina a gerar o que, na realidade, não
precisamos para viver decentemente. Como se trata do supérfluo, recorrem-se a mecanismos de propaganda, de marketing e de persuasão para induzir as pessoas a consumir e a fazê-las crer que o supérfluo é necessário e fonte secreta da felicidade. O fundamental para este tipo de marketing é criar hábitos nos consumidores a tal ponto que se crie neles uma cultura consumista e a necessidade imperiosa de consumir.
Mais e mais se suscitam
necessidades artificiais e em função delas se monta a engrenagem da produção e da distribuição. As necessidades são ilimitadas, por estarem ancoradas no desejo que, por natureza, é ilimitado. Em razão disso, a produção tende a ser também ilimitada. Surge então uma sociedade, já denunciada por Marx, marcada por fetiches, albarrotada de bens supérfluos, pontilhada de shoppings, verdadeiros santuários do consumo, com altares cheios de ídolos milagreiros, mas ídolos, e, no termo, uma sociedade insatisfeita e vazia porque nada a sacia.
Por
isso, o consumo é crescente e nervoso, sem sabermos até quando a Terra finita aguentará essa exploração infinita de seus recursos. Não causa espanto o fato de o Presidente Bush conclamar a população para consumir mais e mais e assim salvar a economia em crise, lógico, à custa da sustentabilidade do planeta e de seus ecossistemas. Contra isso, cabe recordar as palavras de Robert Kennedy, em 18 de março de 1968: "Não encontraremos um ideal para a nação nem uma satisfação pessoal na mera acumulação e no mero consumo de bens materiais.

O PIB
não contempla a beleza de nossa poesia, nem a solidez dos valores familiares, não mede nossa argúcia, nem a nossa coragem, nem a nossa compaixão, nem a nossa devoção à pátria. Mede tudo menos aquilo que torna a vida verdadeiramente digna de ser vivida". Três meses depois foi assassinado. Para enfrentar o consumismo urge sermos conscientemente anti-cultura vigente. Há que se incorporar na vida cotidiana os quatro "erres" principais: reduzir os objetos de consumo, reutilizar os que já temos usado, reciclar os produtos dando-lhes outro fim e finalmente rejeitar o que é oferecido pelo marketing com fúria ou sutilmente para ser consumido.
Sem este espírito de rebeldia consequente contra todo tipo de manipulação do desejo e com a vontade de seguir outros caminhos ditados pela moderação, pela justa medida e pelo consumo responsável e solidário, corremos o risco de cairmos nas insídias do consumismo, aumentando o número de famintos e empobrecendo o planeta já devastado.

(Envolverde/O autor) (c)

Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não
comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

Nenhum comentário: